Índio Presente: a série

Confira a entrevista com o diretor Sérgio Lobato

Povo Enawenê-nawê, Mato Grosso – Cedida por Sérgio Lobato/OPAN

A série Índio Presente estreou no canal Futura no dia 18 de junho de 2018 e tem os 13 episódios disponíveis online no Futura Play. Sérgio Lobato, que dirigiu o trabalho com Bruno Villela, conta para a OPAN o que inspirou a produção e revela detalhes do processo de filmagem. Os episódios foram produzidos a partir da visita a 21 povos, de 11 estados brasileiros. Em cada um deles é levado ao público um equívoco ou preconceito que cotidianamente é expressado em conversas. “Os índios estão perdendo a cultura” (episódio 2) ou “a sociedade indígena é atrasada” (episódio 11) são alguns deles. Sérgio, além de videomaker, é antropólogo visual e indigenista. Dirigiu o curta metragem Mopo’i – O menino Manoki (2011) e trabalhou com a formação audiovisual do povo Araweté, no estado do Pará (2015). Confira abaixo a entrevista.

1.Sérgio, o livro “O índio brasileiro e a Revolução Francesa”, de Afonso Arinos, foi uma fonte de inspiração para a criação da série. Qual a conexão entre a obra e Índio Presente?

O interessante é que a série busca romper com os estereótipos do senso comum e a gente fica com um mal-estar quando observa exemplos muitos primários sobre os povos indígenas… Como o que o Ailton Krenak cita do Ulisses Guimarães, que os exemplos que a gente pode dar da contribuição dos povos indígenas no mundo é a jabuticaba: “o índio cuidou da jabuticaba” ou os nomes dos locais das cidades e espécies brasileiras… [Estes destaques] ainda são muito pouco. Este livro, mostra uma reflexão sobre cidadania, sobre a forma de relação com o outro. Não de dominação, mas de respeito com o próximo. É uma visão muito positiva em relação aos povos indígenas na medida em que [relata] a aspiração para a construção de uma sociedade democrática a partir do conhecimento de relações sociais dos povos indígenas, colocando a contribuição do índio no Brasil e no mundo em outro patamar. Neste livro, ele coloca o indígena como sujeito em que as relações de sociabilização são extremamente evoluídas. A liberdade, igualdade e fraternidade se encontram dentro de uma sociedade indígena. E que, naquela época da Revolução Francesa, o Brasil inspirar isso realmente é um fortalecimento da visão do índio. Não como aquele índio do passado e sim aquele índio vivo, que está presente, mostrando para a gente uma evolução de democracia, de respeito ao próximo, das decisões a serem tomadas no pátio da aldeia, em consenso.

  1. E quais outras influencias te impulsionaram a criar esta série?

No ambiente cotidiano familiar e de amigos, constantemente vemos determinados tipos de discursos prontos, construídos no senso comum de muita discriminação dos índios. Principalmente na produção audiovisual… Quando a gente mostrava algum produto audiovisual com algum povo indígena ou feito por povos indígenas, eu já escutei coisas como: “os índios para conseguir fazer coisas no audiovisual, vão demorar 100 anos”. Uma ideia completamente evolucionista e equivocada, que pensa a produção com povos indígenas e para povos indígenas como algo de uma categoria inferior.

Tem aquele conceito de quarto mundo, que eu acho equivocado, de colocar em escala sociedades de primeiro, segundo e terceiro mundo. Que seria o Brasil em desenvolvimento e as sociedades indígenas como em quarto mundo de uma maneira pejorativa. Um discurso que coloca as sociedades indígenas como uma sociedade que não consegue dialogar com os outros mundos. Acho que isso foi o que mais motivou a gente a mostrar que os povos indígenas estão no gene do brasileiro, estão vivos e estão atuando em todas as áreas. A gente quis mostrar o índio mais abrangente, que é atuante na sociedade e tentar diminuir esta visão estereotipada do índio hoje.

Indígena da etnia Tuyuka, Amazonas – Cedida por Sérgio Lobato/OPAN
  1. A série está organizada em equívocos, preconceitos de nós não índios para com os povos indígenas como, por exemplo, “todos índios falam Tupi” ou “os índios são preguiçosos”. Como vocês identificaram estes preconceitos?

A série surgiu do material “Cinco ideias equivocadas sobre os Índios”, de José Ribamar Bessa Freire, professor da Faculdade de Educação da UERJ e coordenador, desde 1992, do Programa de Estudos dos Povos Indígenas. A gente leu este material antes de produzir a série e vimos que se adaptássemos à demanda das tvs públicas, de produção de temática indígena, ela estaria dividia em 13 episódios. Então ampliamos um pouco as questões que o José Ribamar Bessa Freire já pensava e foi construída a série.

  1. Existem outros equívocos a serem explorados?

Tínhamos outras questões sobre arte. Existe um pré-conceito que arte indígena é utilitarista, que ela não tem o mesmo grau de diálogo em relação a outros tipos de arte. A gente tentou fazer um episódio sobre esta questão, mas acabamos ficando só com 13 episódios devido às exigências do edital.

  1. Algum destes equívocos foram anunciados pelos próprios povos indígenas?

Este é o maior desafio, quando a discriminação está incutida dentro da própria sociedade indígena. Quando a gente estava fazendo o episódio de línguas, lá nos Paumari, uma senhora veio dar um exemplo do cotidiano dela. Ela gosta de falar o idioma em sua própria casa e chegou a neta dela e questionou: “vó, por que você não fala certo? Por que você fala errado, fala esquisito?”. Ela respondeu: “Não, eu não falo errado, você é quem fala esquisito. Eu falo meu idioma Paumari. Eu estou na minha casa”. Então, na medida em que você é discriminado dentro da sua própria casa, dentro da sua própria família em atuar nos seus costumes e tradições… Você vê que o preconceito é muito poderoso. Isso está muito longe de uma sociedade igualitária e que respeita as suas singularidades. O Brasil é um país com 180 línguas. O IBGE se equivocou dizendo que eram 274 línguas, não é isso tudo. Ele coloca Myky e Manoki como línguas diferentes, mas na verdade são a mesma língua. Mas o Brasil é um mundo, e está muito longe da gente conseguir respeitar estas diferenças.

  1. Ainda que a série se proponha a desmistificar o indígena para os não indígenas, como foi o seu processo, enquanto homem branco, de construção de representação dos sujeitos indígenas?

 Eu me vejo como uma pessoa que transita pelos mundos, como qualquer ser humano. Nós seres humanos temos a capacidade de sentir e viver as questões do outro e reconhecer que as questões do outro também são as nossas questões. É uma questão de identidade, da gente realmente se identificar com determinadas questões dos povos indígenas. Essas questões dos povos indígenas, que são os povos originários, de terem o direito de viverem de acordo com seus costumes e tradições, com seu território, eu acho que é uma reivindicação… Todo ser humano gostaria de ser respeitado e poder viver de acordo com as suas crenças, na medida em que estas crenças não agridam a outros povos. Eu tenho certeza que não só eu, mas qualquer cidadão que tenha a oportunidade de visitar uma aldeia, de conhecer uma rotina em uma comunidade indígena, vai se identificar. Eu sou apenas uma das pessoas que se identificam com a causa indígena.

Mas dentro da equipe a gente teve o Denilson Baniwa [animador gráfico da etnia Baniwa], que expressou muito bem o que a câmera não conseguiu, de uma maneira muito inteligente em forma de animação. A gente aprendeu muito com ele neste processo. Quase todos os episódios possuem animação e a gente deu carta branca para ele criar a partir da direção dele.

  1. Vocês visitaram 21 etnias diferentes, em 11 estados. Foi uma cobertura bem ampla. Como vocês selecionaram os povos e o que filmar deles?

O Mato Grosso do Sul é o estado brasileiro em que acontece a maior parte dos conflitos de terra envolvendo homicídios e a gente sabe como é urgente trabalhar essa questão porque o que acontece lá é um genocídio, de séculos. Enquanto equipe, não tínhamos experiência no Mato Grosso do Sul, mas sabíamos que filmar lá era importante. Então fomos atrás de pessoas que já têm uma experiência, indígenas ou não, que se dedicam à causa. E fomos recebidos super bem, inclusive pela FUNAI que trabalha muito bem lá. A gente encontrou, realmente, alianças para conseguir realizar uma filmagem no Mato Grosso do Sul, que era desconhecido para a gente. Em outros lugares, nos sentimos muito acolhidos. No [povo] Enawenê Nawê, em que a nossa produtora executiva trabalhou por anos… Também nos Manoki, em que eu morei por três anos e meio… Então ficou mais fácil.

Foi um trabalho de pesquisa para a gente chegar em alguns locais. Nunca tínhamos conhecido pessoalmente os Pankararu que moram na cidade de São Paulo. E a gente foi, a partir de pesquisa, tentando chegar a estes povos. E o que foi bacana, é que em todos os povos indígenas que trabalhamos, eles nos receberam com muito carinho, acreditaram muito no nosso trabalho. Muita confiança, a gente dormindo muitas vezes na casa dos próprios povos, dividindo comida, com eles separando um espaço na casa deles para as nossas redes… Isso para a gente não tem preço. Isso foi a coisa que mais me emocionou durante as gravações.

Povo Dessana, Amazonas / Escola Myky, Mato Grosso / Pajé Yanomami, Roraima / Baltazar Baré, soldado em São Gabriel, Amazonas – Cedida por Sérgio Lobato/OPAN

Ficha Técnica

Produtora: Amazon Picture                                                                                  Coprodução: Cambará Filmes
Direção geral: Bruno Villela e Sérgio Lobato
Direção de Fotografia: Pedro Rodrigues e Fábio Bardella
Produção executiva: Juliana Almeida
Assistente de produção: Geraldo Brandão
Roteiro: Bruno Villela, Juliana Almeida e Sérgio Lobato
Episódios: 13
Duração: 26 min.
Classificação indicativa: Livre

Sinopse: No Brasil muitas pessoas ainda veem os índios no passado ou sem perspectiva de futuro. E você? Vê os índios no presente? Produzida em 2017, a série documental Índio Presente visitou dezenas de povos indígenas em diferentes Estados brasileiros para desconstruir, em 13 episódios, os principais estereótipos sobre estes grupos.

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 Lívia Alcântara

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