Local: Terra Indígena Tirecatinga
No Juruena, como no restante do Brasil, o retorno dos brancos é marcado pela chegada simultânea das frentes de exploração e de evangelização. Ambas se complementavam dentro do processo colonizador e de alienação dos territórios indígenas. Em seus sonhos, alguns pajés previram a chegada desses “outros brancos”, os quais iriam viver nas aldeias, aderindo ao modo de vida próprio dos grupos do Juruena. Essa assertiva é parte da paradoxal relação que os povos indígenas da região mantiveram com as frentes da Missão Anchieta (MIA), a última missão jesuíta instalada em terras brasileiras. A Missão Anchieta era ligada à Prelazia de Diamantino, criada em 1930 para atender uma vasta área no noroeste de Mato Grosso e atual estado de Rondônia.(…)
Funda-se, no coração do território Haliti, o internato religioso Utiariti. A antropóloga Joana Fernandes da Silva destaca que, neste internato, diferentemente do que em geral ocorria em outras reduções e aldeamentos jesuítas, optou-se por centrar o trabalho de evangelização nas crianças indígenas. Os missionários também acreditavam que as crianças seriam mais facilmente “catequizáveis”, quando comparadas aos adultos. Muitas delas eram órfãs, cujas famílias haviam sido vítimas das epidemias e da violência das frentes colonizadoras. As crianças recebidas no internato de Utiariti eram, sobretudo, oriundas dos povos Haliti, Manoki, Nambikwara, Rikbaktsa e Kawaiwete. Impedidas de falarem seus idiomas e de praticarem seus ritos, as crianças são submetidas a uma rotina de ensino religioso e laboral. Com ênfase no trabalho de catequização, a estratégia missionária acabara por deslocar socialmente estas crianças de seus povos.
(…)A revisão do modelo de atuação culminou na desativação do internato Utiariti, a partir de1961. Ainda que o internato tenha tido uma vida curta, para a antropóloga Machado, a experiência no internato religioso foi tão marcante que acabou por definir uma nova identidade regional: a dos “índios da missão”.
Extratos de Paisagens Ancestrais do Juruena. Juliana de Almeida. Operação Amazônia Nativa, 2019, p.46-49.